O golpe de 1964, pela forma como foi desfechado, parecia ter tudo para
dar errado. As tropas que saíram de Minas Gerais em 31 de março, comandadas por
um general fanfarrão, eram qualquer coisa menos uma força capaz de derrubar algum
governo, de forma que só no dia seguinte, ou seja, no Dia da Mentira, ficou
claro tratar-se de algo sério. Por isso, pelos anos seguintes, os que se
colocavam contra a quartelada continuaram dando a ela o nome de “golpe do 1º de
abril”, enquanto quem era a favor falava na “revolução democrática de 31 de
março”.
O fato é que esse exército de Brancaleone foi avançando sem encontrar
resistência. Enquanto isso, os comandos militares janguistas iam rapidamente
entregando os pontos, coagidos pelos conspiradores, que haviam conseguido
contaminar toda a estrutura militar.
Já se gastou muita tinta para explicar porque o governo João Goulart
caiu como uma fruta podre, sem voz de comando, sem disparar um único tiro.
Também não é novidade que os conspiradores não esperavam que tudo fosse tão
fácil. Eles estavam preparados para conflagrar o país, contando com total apoio
norte-americano, que chegaria à intervenção direta se fosse preciso.
De fato, documentação liberada pelo governo dos Estados Unidos e
estudada nos últimos anos não deixa dúvida de que a chamada “Operação Brother
Sam”, desfechada exatamente no 31 de março, tinha a intenção e os meios
necessários para iniciar a invasão do Brasil, caso os golpistas necessitassem. Essa
operação consistiu no deslocamento em direção ao litoral brasileiro de uma
frota de guerra norte-americana com 14 navios, entre os quais um porta-aviões que
poderia transportar armas nucleares e um navio de transporte de tropas com
fuzileiros navais, os mariners,
preparados para o desembarque. Levava gás lacrimogêneo para controle de
multidões, 110 toneladas de armas e munições, esquadrilha de caça,
helicópteros, aviões de transporte.
Enfim, mesmo começando com uma marcha caricatural, protagonizada pelo
general Mourão Filho, o golpe nada tinha de blefe. Do ponto de vista do
governo, o poderio do inimigo definia o cenário de uma guerra perdida, o que
torna mais fácil compreender a paralisação de Jango e, por fim, sua decisão de
se exilar.
Recentemente, passei com um amigo advogado pelo Minhocão, a via
elevada de São Paulo que leva o nome do general Costa e Silva, e ouvi dele que
no Brasil os traidores dão nome a ruas, viadutos, rodovias, praças. Ele
exemplificou:
– Veja esse cara, o Costa e Silva, ele e os outros golpistas de 64
estavam perfeitamente articulados com a força inimiga enviada contra o Brasil,
a Operação Brother Sam.
Meu amigo não se contentou com a observação genérica. Chegando em
casa, abriu um exemplar do Código Penal Militar e me telefonou para
acrescentar:
– Tudo o que os golpistas fizeram está aqui, no capítulo que tipifica
os crimes de traição: atentar contra a soberania do Brasil, prestar informação
ao inimigo, coagir comandantes, aliciar militares em favor do inimigo y otras cositas más.